[15 de outubro de 2009]

Aprendendo mais sobre Social Games

A minha estada aqui em San Francisco foi em parte visitando uma empresa que produz jogos para o Facebook, para quem já fiz alguns trabalhos como consultora. Conhecendo as pessoas que também trabalham na área e discutindo o assunto com outros especialistas, pensei em escrever aqui no blog algumas das coisas que pensamos juntos.

1. Social games + Facebook = mais sociabilidade
A primeira coisa que pode passar despercebida é que os jogos no Facebook são legais justamente porque são sociais, ou seja, porque permitem que, através deles, eu possa criar ou manter laços sociais. Assim, quando vejo meus amigos jogando no Farmville ou no Cafe World e os sistemas mostram a pontuação de cada um deles, é algo que me instiga a jogar para ultrapassá-los, e poder rir/comentar isso com eles. Do mesmo modo, formar uma família com os amigos no Mafia Wars ou mesmo lutar contra eles no Yakuza Lords tem o mesmo valor. Claro que essa não é a única motivação social do jogo, mas é uma delas. O que saliento, portanto, é que o jogo nos sites de rede social não é uma experiência individual, como muitas vezes é no vídeogame, mas é uma experiência coletiva, que faz sentido quanto seus amigos também estão envolvidos nela.

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A competição com os amigos é um fator motivador relevante para a adoção dos social games no Facebook.

2. Jogos no Facebook também são sobre identidade
Outro detalhe importante é o papel identitário que os social games têm no Facebook. Eles auxiliam diretamente a construir determinadas impressões para a rede social. Assim, a customização do avatar, seja antes do jogo, seja durante o jogo (através de vitórias, estratégias e etc.) é igualmente relevante para o usuário. No Facebook, essas informações são passadas à rede social via feeds. Deste modo, a cada vitória, a cada jogada, a rede é - ou não - comunicada das ações do jogador. Mas o papel identitário não está apenas no modo através da qual a rede reconhece o jogador através do jogo, mas igualmente no modo através do qual o jogador se constrói no espaço do jogo. A negociação com as famílias, a guerra contra os demais ou mesmo os elementos que acrescenta para ser uma Diva, além da própria escolha dos jogos também dá outras "pistas" a respeito de quem é você. Parece-me que esse papel também passa pela experiência com a identidade, ou seja, com a experimentação em ser um novo personagem, conquistar coisas interessantes e viver em um ambiente diferente, que é particularmente verdadeira para os jogos no estilo RPG.

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Imagem do Diva Life, um dos jogos estilo RPG.

3. Competição e cooperação como partes do jogo
Outro elemento importante está nas relações de cooperação e competição nesses jogos. Embora o primeiro elemento mais facilmente perceptível seja a competição, a cooperação é igualmente relevante para os envolvidos justamente porque o jogo é social. Assim, organizar times, entrar em guerra, competir contra outros times, cooperar em determinadas missões e etc. é outro fator relevante para a adoção e o uso desses jogos no Facebook. Isso é mais claramente visível na organização das famílias no Mafia Wars, por exemplo, que suplanta o jogo em si e abrange grande parte do tempo fora do jogo dos participantes. São organizações que transcendem o jogo, que envolvem os jogadores em ações mais cooperativas que fortalecem os laços entre os jogadores e definem as fronteiras das famílias. E essas organizações acabam tendo um papel fundamental na manutenção da comunidade em torno do jogo.

4. O papel das comunidades nos jogos
Outro elemento que parece bastante relevante é o papel das comunidades em torno dos jogos. Quanto mais pessoas estão no jogo, maiores as chances de interagir, melhores as dicas e melhores as informações que circulam. A criação e a manutenção de uma comunidade que fortaleça o grupo de jogadores também pode ser importante. Vemos, por exemplo, que praticamente todos os jogos possuem espaços de discussão no Facebook e, muitas vezes, em fóruns de desenvolvedores. Esses espaços acabam tendo um papel importante na discussão de bugs, construção de walk through e suporte aos jogadores. E, em muitos casos, esse papel vai bastante além, com a construção de uma efetiva comunidade de jogadores, interagindo, conversando e discutindo o jogo em si. Esses grupos, portanto, parecem também ter um papel social e de apoio ao jogo, auxiliando na adoção das ferramentas. Além das comunidades como grupos formais, há também os grupos informais, compostos pelas comunidades de amigos que adotaram o jogo, que também tem outro papel nessas ferramentas, e para quem elementos como feeds e gifts fazem sentido.

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Foruns como elemento social.

5. O papel dos gifts e feeds
Os gifts são outro elemento que parece contribuir bastante para os aspectos sociais dos jogos no Facebook. Enviar e receber "presentes" tem um papel bastante relevante na cultura do jogo social. Essa cultura tem bastante relação com a chamada "gift economy", mas no caso dos jogos do Facebook, como é possível enviar presentes para amigos que não estão jogando o aplicativo, tem também um papel de notificação. (Embora o gift tenha também um papel mais "sedutor" no sentido de oferecer um valor ao futuro jogador.) Do mesmo modo, os feeds também atuam de modo a informar aos atores que os membros da rede social estão adotando o aplicativo e, claramente, quanto mais amigos usam o jogo, maiores as chances de um ator que instalá-lo.

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O gift tem um sentido social também.

Tenho mais coisas a discutir e a debater, como o problema do spam social e algumas mesas da Internet Research, evento do qual participei semana passada em Milwaukee, mas vou deixar para outro post. :-)
por raquel (09:54) [comentar este post]


Comentários

Thiago S. Rosa (outubro 15, 2009 12:11 PM) disse:

Desta vez, eu não tenho nada mais a completar sobre este assunto. Perfeito!

Iris | IFD (outubro 15, 2009 3:39 PM) disse:

PARABENS! primero artigo que leio super bem focado e objetivo levantando questões bem interessantes sobre o social games, esta de parabéns mesmo! que venham os próximos ;)

João Baptista SF Lago (outubro 16, 2009 3:06 AM) disse:

Oi, Raquel: me desculpa, pelo tamanhão deste meu comment. Mas, como foi você quem há alguns meses atrás levantou minha lebre sobre esse lance dos games no FB, agora agüenta, tá? Vamos lá: complementando o que você já escreveu, diria que os jogos iriam além de meramente contribuir para a construção da identidade. Mais que isso, os jogos parecem colocar as identidades em movimento. Assim: sem os jogos, como as identidades seriam construídas? Através de seus "groups", das fotos e vídeos postados, de mensagens postadas, das informações deixadas sobre si. Só que até aí, o que temos? Temos a construção de identidades de um modo estático, como se a identidade de cada usuário fosse um outdoor. E o que os jogos vão fazer? Vão pegar essas identidades "outdoor" e libertá-las de sua estaticidade, ao atuarem enquanto uma espécie de espaço no qual passam a se movimentar, relacionando-se entre si. Os jogos seriam, assim, um elo de ligação entre diferentes usuários e, ao mesmo tempo, um agente de intensificação das relações. Por exemplo: você conhece a Maria, que conhece o Jorge e a Fátima. Sem os jogos, eles seriam apenas "amigos" que aparecem no perfil da Maria. Mas na timeline do teu próprio perfil, onde Maria é tua adicionada, você vê que ela recebe uma "lonely" vaquinha amarela e você também lê o que o Jorge e a Fátima comentaram sobre isso: aproveita e emenda um comentário também. Daí, pra você add o Jorge e a Fátima, fica bem mais fácil - como se aqueles 4 avatares ali, o da Maria, o teu, o do Jorge e da Fátima, fossem 4 pessoas numa mesa da bar, que acabaram de se conhecer, tendo sido convidadas pela Maria.

Finalmente, há algo muito importante: a identidade, sendo construída através dos jogos, passa a ser construída *através da relação* com outras pessoas, exatamente como na dimensão presencial. Você passa a não mais precisar, por exemplo, adicionar ao teu perfil um group no qual você dá a entender que seria uma pessoa legal. Nada disso: através dos jogos, você *prova* que você é legal, por exemplo retribuindo favores, fornecendo ajudas mútuas, que o jogo estabelece. Assim, o FB dá um tremendo salto em relação ás demais plataformas, no tocante à construção de identidades: estas, graças aos jogos, deixam de ser constituídas através de representações estáticas (imagens, músicas, fotos, comus), e passam a ser firmadas e percebidas pelos demais, através de ATITUDES.

Um outro grande salto que o FB parece estar dando, contudo, me parece ser um certo "descolamento" em relação à rede social do usuário: você poder se relacionar com outras pessoas que você conhece na plataforma, sem que exista qualquer vínculo entre você e elas, mais consistente. Vivi uma experiência interessante nesse sentido, com um de meus perfis no FB: a partir de uma única pessoa que conhecia, passei a adicionar gente totalmente desconhecida, que iam me indicando outras pessoas, e a coisa foi crescendo. E o interessante é que até para essa pessoa que eu conhecia, essas pessoas também lhe eram desconhecidas. O que me chamou a atenção, nisso tudo, foi: esse crescimento parecia ser favorecido pelos gifts. Fulano ou Beltrana te adicionava e já te mandava um gift, esperando retribuição quase imediata. Ia retribuindo corações, flores e cachorrinhos e ia recebendo pedidos de amizade. Percebi, portanto, uma inversão das coisas: se no meu perfil "oficial" onde tenho poucos adicionados, porém oriundos de minha existência presencial e de meu círculo de relações fora da internet, se aí ocorre um uso do FarmVille ou Mafia através de pessoas que se conhecem independentemente do FB, no outro perfil parece ter sido o contrário, com os gifts parecendo serem mais importantes que o relacionamento anterior com os adicionados. "Tipo assim": você inicia a relação através dos gifts e por causa deles e, aos poucos, é que vai sabendo quem é essa ou aquela pessoa!

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