[23 de julho de 2009]

Conteúdo Online: Twitter x Facebook

Ontem vi em vários lugares referências a essa matéria do Mashable sobre como as pessoas publicam conteúdo online ("propagam" conteúdo seria mais apropriado, uma vez que, como já se sabe, é apenas um percentual mínimo dos atores que realmente produz conteúdo original em uma rede social online). A matéria apresenta um gráfico do Addtoany (que reproduzo abaixo), onde o sistema mais utilizado para transmitir conteúdo seria o Facebook, seguido pelos emails (que não são o foco aqui) e depois, pelo Twitter.

sharingcontents.jpg

Fonte: Mashable


Com o avanço do Facebook, cada vez mais ele está servindo de parâmetro comparativo para outras mídias sociais. No entanto, aqui está meu ponto: acho que essas mídias são incomparáveis. Explico: as redes sociais presentes em um e outro, embora possam se sobrepor em alguns momentos são essencialmente diferentes. Isso decorre da apropriação e das limitações impostas, justamente, por essas ferramentas.


As Redes Sociais no Facebook

redeforca.jpgEmbora já se note alguns princípios de "Orkut" na apropriação do Facebook pelos brasileiros (por exemplo, adicionar todo mundo que você conhece, mais pessoas as quais você já ouviu falar), o Facebook expressa essencialmente uma rede privada. O sistema é todo pensado para assegurar a privacidade do usuário, e limitar ao máximo o social browsing (muito popular no Orkut). Você não pode navegar muito longe do primeiro grau de sua rede social e não é possível ver tudo o que todo mundo publica. Assim, de um modo geral, a propagação das informações no Facebook é limitada pela privacidade do sistema. Há mais informações sendo publicadas, mas para uma rede muito próxima (um grau de separação, em alguns casos, dois). Além disso, as pessoas parecem mais conscientes na adição de outros nós na rede, focando principalmente nos seus amigos/conhecidos offline. De uma certa forma, esses processos limitam bastante o alcance daquilo que é publicado no sistema.

Outro elemento interessante é o conteúdo das informações publicadas no Facebook. Talvez por esse caráter mais fechado, as informações parecem focar a rede social mais próxima (laços fortes) do que a rede social mais distante (laços fracos). Por exemplo, uma rápida olhada na minha timeline do dia, vejo que um usuário publicou fotos de seus filhos, outro publicou fotos de um evento o qual organizou, um terceiro publicou um vídeo que achou engraçado, um quarto comentou sobre seu avanço em um joguinho. Todas essas informações têm um caráter basicamente intimista. Não são informações valorizadas pela rede social ampla, que possuem um valor em sua divulgação, mas informações destinadas a comentários de amigos, que visam divertir e informar coisas pessoais a uma rede social próxima. O valor dessas informações está nos laços mais fortes e não nos laços mais fracos.


As Redes Sociais no Twitter

redeseguidores.jpgO Twitter é um sistema já diferente. Em princípio lá qualquer pessoa pode seguir aquilo que um determinado ator publica. Aquilo que é publicado pode ser buscado, copiado, discutido e ampliado. De um modo geral, as redes no Twitter tendem a ser maiores, menos focadas em laços fortes e menos privadas (sim, há contas privadas, mas são minoria no sistema). Isso significa que, ao contrário do Facebook, onde a privacidade é o default, no Twitter, ter uma audiência (grande número de seguidores) é um valor importante, bem como seguir seus ídolos e estar conectado a eles (uma apropriação nova, que parece estar surgindo principalmente entre os jovens, que valorizam qualquer "@" recebida de alguém famoso), assim como ser "re-twitado" (já falei sobre isso em outro post). Esses valores, todos, são decorrentes do pertencer a uma rede social mais ampla, constituída de laços fracos. Quanto maior a rede social, mais valores como os que coloquei acima são gerados. Vejam que esses valores diferem essencialmente daqueles que descrevi no Facebook.

Com isso, o tipo de informação publicada no Twitter tende a ser essencialmente diferente. Afinal, os objetivos para com a rede social são outros. Embora as pessoas publiquem coisas pessoais, esses "detalhes" são muito menos focados na exposição da intimidade e muito mais focados na performance diante da rede social (criar identificação). E de um modo geral, as informações publicadas no Twitter o são com o foco na audiência, e tendem a ter valores como novidade, qualidade da informação, performance, reputação e etc., que diferem daqueles das informações publicadas no Facebook. Em uma rápida olhada na minha timeline do Twitter, apenas para exemplificar, vejo uma mensagem informando o lançamento do Windows 7 (com link), outra informando uma nova ferramenta de rede social focada na cidadania (com link), uma terceira repassando uma notícia sobre o Afeganistão, um quarto falando que está saindo para o trabalho, um quinto repassando uma informação sobre terrorismo. O foco dessas ações é assim, diferente, em essência, daquele da minha timeline no Facebook.


E o que isso quer dizer?

Basicamente, o que estou tentando discutir é que temos redes sociais diferentes em sites de rede social diferentes. E que essas redes são decorrentes da apropriação desses sites. No Facebook, as redes tendem a ser menores, mais focadas nos laços fortes e com informações que dizem respeito, em termos de valor, a esses laços. No Twitter, de outra sorte, temos outras redes, que focam outros valores (redes maiores, mais focadas em laços fracos). Essa diferença de apropriação é que faz com que um determinado ator mantenha contas em dois sites diferentes. A partir do momento em que não há diferenciação de capital social, não mais investiríamos tempo e esforço nessas contas. É por isso que o Twitter não é uma ameaça ao Orkut, mas o Facebook é. Há valores diferentes nas redes sociais de cada site, mas de um modo geral, os valores da rede do Facebook tendem a se sobrepor aos valores da rede do Orkut.

É claro que tem vários brasileiros que estão unificando os comentários de status entre o Facebook, o Twitter e o Plurk (ou seja, aquilo que é publicado em um é republicado nos demais). Pessoalmente acho isso uma chatice. E de um modo geral, noto que são mensagens que não obtêm reverberações. Minha hipótese é que é ainda um primeiro uso, uma forma de otimizar a presença em vários sites de rede social, mas que não deve se manter. O ator vai decidir participar de alguns sites e nesses, suas mensagens serão valorizadas.

Esses valores dependem da apropriação. Ou seja, pode ser reconstruídos por cada ator que entra na rede e que a faz significar para si mesmo e para seu grupo. Nesse processo, os valores podem ser modificados, transformados e moldados. Mas em uma primeira impressão, penso que é fundamental entender como isso influencia as redes sociais que são decorrentes desses sites e como essas redes sociais diferentes podem levar a informações diferentes divulgadas em cada uma.
por raquel (08:27) [comentar este post]


Comentários

Thiago S. Rosa (julho 23, 2009 9:54 AM) disse:

Concordo com vários pontos do seu texto, e acho mesmo que algumas comparações são completamente incabíveis. Enquanto tem gente que tem 25 mil seguidores em um Blip, tem 10 amigos no YouTube e 300 no Twitter. Com certeza, o foco de uma rede social e sua estrutura muda conforme sua relação com elemente produzido. Isso para mim está claro. Só uma coisa que não concordo mais depois de utilizar o Facebook: o universo de estrangeiros que me adiciona com interesses de participar dos jogos em grupos que o FB me leva a crer que este fenômeno de popularização não é só local. Pode até ser que a proporção com os Brasileiros seja um pouco menor, mas a resistência que muitos propagam e barreiras culturais não é tão clara. E como sempre, ótimo post!

Raphael Perret (julho 24, 2009 5:29 PM) disse:

Puxa, foi tão bom ler esse texto... Ele é a verbalização de tudo que eu já achava, mas jamais poderia comprovar sem experimentações e pesquisas. A sua hipótese é perfeita, Raquel. sempre achei que o Facebook pudesse "substituir" o Orkut, mas jamais o Twitter, embora muita gente - inclusive eu - integre os dois conteúdos. Realmente, os posts do Twitter que aparecem no FB raramente dão Ibope (hj foi uma exceção, recebi muitos comentários), e normalmente são exatamente os mais pessoais. No caso de hoje, por exemplo, bombou um post em que eu falava de um restaurante aqui no Rio e tb outro sobre a possibilidade do Parreira ser técnico do Flamengo.

Uma nova hipótese, gostaria de saber o que vc acha: os posts do Twitter normalmente trazem muitos links. Acho que quem frequenta o Facebook prefere ver o conteúdo publicado DENTRO do Facebook, e não externamente. afinal - e agora faço um link com o que você escreveu - ele está num ambiente que privilegia os laços fortes, está vendo as fotos do amigo, ou o quiz que ele respondeu. É mais acolhedor, e não é nesse momento que ele quer sair do FB. Já no Twitter, dado o conteúdo curto de cada post, já se espera que a ferramenta seja usada como um divulgador de links. Putz, viajei. Espero que tudo faça algum sentido. Beijo.

João Baptista (julho 25, 2009 9:01 PM) disse:

Oi, Raquel:

1. O modo de subjetivação no Brasil, estrutura um tipo de personalidade e modo de funcionamento mental, no qual é muito tênue a fronteira entre o mundo interno (realidade subjetiva) e o mundo externo (realidade objetiva). Não se estrutura mentalmente a separação, o bebê e a criança não é educado apremdemdo a ouvir "não" (qdo ouve é de brincadeirinha), em suma: coletivamente, não somos estruturados psicologicamente a conviver com limites e isso se projeta sobre outras dimensões, como as relações amorosas (grudadas), a separação entre público e privado (precaríssima, vide uso de verbas públicas para benefícios pessoais como se isso fosse "natural", camelôs ocupando calçadas à vontade, empresários fazendo o que bem entendem e dane-se a coletividade, etc.). Em outras palavras: a arquitetura do Facebook caminha na contramão do modo brasileiro hegemônico de ser, modo esse para o qual privacidade não existe e se existir, não deve ser respeitada. O maior obstáculo ao FB, portanto, não seria o Orkut ou qualquer outro aplicativo social, mas a sua própria arquitetura. E não só: o FB é moralista (deleta fotos de perfil de mulheres amamentando), impõe leis (que no Brasil são só de mentirinha), como aquelas relacionadas ao conteúdo de seus "groups". O FB deletaria, por exemplo, "groups" louvando o Hizbollah e o Hamas, que no Orkut existem livremente, assim como existem comunidades pró-Israel, de extrema-direita. Suas regras proíbem, taxativamente, "groups" do tipo "I hate", tão populares no Orkut, etc. etc. Em suma: ao contrário do Orkut, que foi um amor conosco e se modificou para ficar mais com a nossa cara, o FB caminha na contramão de nossa cultura, em aspectos fundamentais e, por isso, seu crescimento será, ao meu ver, bastante limitado por aqui.

2. Softwares sociais vivem de advertising e da venda dos dados dos usuários. Nesse sentido cabe voltar à passagem dos anos 80 para os 90, no tocante aos primeiros momentos da tv a cabo no Brasil. Quando ela ainda era muito pouco usada, menos de 15% do mercado, o que houve? Como a tv a cabo era assistida por uma camada economicamente mais privilegiada, a Tv aberta, mesmo com mais de 80% de audiência, deixou de anunciar produtos como passagens aéreas (a Varig era grande anunciante), Whisky importado, automóveis e outros bens e serviços acessíveis apenas às classes-médias melhor situadas. Essa publicidade passou a ser exibida quase que exclusivamente na tv a cabo, para ser vista por poucos, porém poucos que podiam comprar esses produtos.

Análogamente, diria que os poucos usuários do FB em comparação aos muitos do Orkut, seriam muitos, se pensarmos em termos de retorno publicitário. Nesse sentido, enquanto antropólogo, pesquisador de mídias sociais etc., podemos dizer que o FB não possui penetração no Brasil; todavia, em relação aos objetivos dos gestores da ferramenta, acho que o FB está cumprindo com seus objetivos: posicionar-se junto a um público que possa ser considerado consumidor e, assim, lucrar com advertising.

3. Arriscaria dizer que esse "pouco" que o FB está conseguindo, termina influenciando o Orkut, e pra pior. Assim: se o Google vê que o retorno comercial de qualquer de suas ferramentas (sociais ou não)é ruim, o que faz? Descontinua. O Orkut ainda não teve seu shutdown decretado pelo Google, como diversas outros produtos seus já tiveram. Ao mesmo tempo, o Orkut não recebe mais investimentos, e vai se tornando cada vez menos atraente.

Vany Laubé (agosto 14, 2009 12:38 AM) disse:

Raquel,

Há muito venho buscando quem realmente pudesse escrever sobre as redes sociais da forma como vc escreve. Parabéns pela forma extremamente bem contextualizada com a qual vc consegue enxergar cada uma das redes sociais, percebendo suas diferenças e valores "espaciais".

Me arrisco a dizer duas coisas - que, gostaria de saber sua opinião. Com a crescente conversação entre as "máquinas" na agora chamada web 3.0 - ou a era da web semântica - o Facebook está tendendo a uma Orkutização crescente e creio que, muito em breve, o Orkut venha a ser substituído pela ferramenta outrora criada no ambiente de Harvard. Ao mesmo tempo assistimos, via notícias do Mashable e do AlleyInside, a uma "guerrinha" eventualmente plantada - que insiste em dizer que o FB virá a derrotar, muito em breve o Twitter, depois que comprou o Friendfeed (acho que é esse o nome!). Sendo o primeiro rico, com uma base 10 vezes maior que o segundo e com um faturamento anual prá lá de significativo, mas sem a quantidade de empresas fornecedoras de aplicativos realmente atraentes como as que estão ligadas ao Twitter, como vc avalia esta possibilidade, vc que estuda as redes com mais afinco, tempo e profundidade?

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