[19 de março de 2009]

Futures of Learning, o Orkut e o Brasil

O Futures of Learning é o blog de um projeto apoiado pela MacArthur Foundation nos Estados Unidos, dedicado ao tópico do estudo da nova mídia e da educação. Eu já tinha comentado no Twitter que é muitos dos pesquisadores estiveram também envolvidos naquele estudo do Digital Youth, que focava como os jovens apropriavam as tecnologias de informação e comunicação em suas práticas cotidianas. Bem, a pesquisa deles (que é divulgada de forma colaborativa no blog) dois pontos: O primeiro é uma revisão internacional de como as pessoas estão adotando a mídia digital e o segundo, é como as instituições educacionais estão incorporando essas relações na educação.

Tendo acompanhado o que está sendo pesquisado (eles ainda estão na fase de análise e de revisão de literatura das práticas) e publicado na série "New Media Practices in International Contexts" já tinha visto excelentes revisões e mapeamentos de resultados de pesquisa sobre os usos das tecnologias na Índia, na Coréia e na China e estava curiosíssima para ver a percepção sobre o Brasil. Eles estão agora publicando essas percepções baseadas em revisão bibliográfica e acho que, dentro das devidas proporções, fazem um mapeamento bastante interessante dessas práticas no Brasil. Nessa série, até agora, eles focaram principalmente o que eu chamaria de Cultura da Apropriação no Brasil. É um foco importante na característica que vem diferenciando um pouco a cultura digital brasileira: a apropriação criativa, inovadora e, muitas vezes, caótica e anárquica das ferramentas de mídia digital.É o mundo dos mashups, das trocas, da reconstrução. E lendo sobre o que eles escreveram, fiquei tentada a escrever um pouco mais a respeito da apropriação do Orkut.

A Cultura da Apropriação e o Orkut no Brasil

A apropriação é a construção de sentido cultural e social do uso de uma ferramenta. O Orkut, por exemplo, quando foi apropriado no Brasil, foi reconstruído com toda uma gama de sentidos que não estavam previstos na ferramenta. Exemplos obvios: o uso das comunidades como ferramentas de identidade e não de participação (mostrando quem o eu sou); o uso do scrapbook (livro de recados) como chat; a lista de amigos como uma forma de construir reputação social (quanto mais amigos eu tenho, mais popular eu sou) etc. Esses pequenos desvios do uso do Orkut foram criando uma apropriação cultural da ferramenta por aqui, criando novos sentidos e construindo o site como uma enorme "lista de pessoas". Claro, isso tudo é generalista. Quando o Orkut se tornou mainstream, outras apropriações, mais localizadas e focadas em pequenos grupos e comunidades de prática surgiram. Por isso, eu costumo dizer que temos vários Orkuts dentro do Orkut. Há apropriações diferentes dentro das diferentes classes sociais, dentro dos diferentes grupos de interesse e dentro das diferentes comunidades lingüísticas. O Orkut tornou-se um universo e, por isso, extremamente diferente nas suas minúncias.

O Orkut, assim, tem algumas apropriações gerais, que vão sendo reconstruídas dentro das diversas comunidades. Vou citar algumas e mostrar como são diferenciadas dentro dos vários "orkuts".
  • Identidade - Ele é uma forma de se dizer "quem sou" para sua própria comunidade. Esse "discurso sobre si" é construído não apenas em cima de texto, mas das fotos e das comunidades em quase todos os perfis. Ainda assim, há códigos diferentes entre as diversas populações. Apenas para exemplificar, vejam abaixo a imagem de dois perfis do Orkut. No primeiro, temos o ator com uma arma, que é símbolo de poder para sua comunidade. No segundo, outro ator em Paris, que é também um símbolo para sua comunidade. Vemos dois discursos sobre a identidade, ambos voltados para reputação, mas inculturados de seus grupos sociais.
perfis.jpg
  • Conversação - O Orkut no Brasil é uma ferramenta principalmente social. As conversações podem acontecer entre os perfis, nos livros de recados, nas comunidades e entre as comunidades. Assim, há uma perspectiva socializante, que foca o sistema como uma forma de construir e reconstruir laços sociais. Nessas conversações, a linguagem utilizada é diferentemente construída dentro das várias faixas etárias e dos vários grupos sociais. Mas a conversação e a linguagem são também diferenciadores. Também são utilizados para diferenciar os atores e os grupos sociais, como nos exemplos abaixo. Ali vemos os diferentes aspectos da conversação, traduzidos pelos códigos da linguagem, entre comunidades diferentes.
linguagem.jpg
Há mudanças importantes nos últimos tempos. Uma delas é a preocupação para com a privacidade, dentro do sistema universalizado do Orkut. As pessoas estão cada vez mais deixando privados elementos como scraps, fotos e etc. pelo medo de quem está olhando. Isso é recente, pois até 2005, pouco ou nada nesse sentido aparecia nos usuários. Ao contrário, quanto mais se mostrava, melhor. Essas preocupações começam também a fazer com que as pessoas procurem novos espaços de conversação, e ampliem as plataformas utilizadas pelas suas redes sociais.

Acho que o Futures of Learning mostra um bom panorama sobre a importância do Orkut na alfabetização digital de muitos brasileiros e como ele reflete, de uma forma crucial, a relevância das ferramentas sociais no País. O Orkut não foi o único: os blogs, o Fotolog, o (ex) MSN (agora microsoft live messenger) e mesmo os canais de IRC foram ferramentas massivamente adotadas pelo internauta brasileiro, em diferentes momentos. Nenhum teve a representatividade do Orkut (que tem quase mais perfis que a própria estimativa de pessoas com acesso à Internet no País), mas mostram que já há uma história da cultura social e de apropriação dessas ferramentas por aqui. Gostaria de ver agora como a pesquisa vai se desenrolar no sentido da aplicação e do uso de ferramentas como o Orkut para a educação por aqui. Vale outro post.
por raquel (08:37) [comentar este post]


Comentários

Mike Rodriguez (março 19, 2009 10:35 AM) disse:

Discutir o Orkut em comparação com outras redes sociais é o que mais me interessa hoje, neste mundo virtual.
Volto pra ler mais.
@m_rodriguez

Cé da Silva (março 19, 2009 10:20 PM) disse:

Interessante essa observação... me fez pensar: semelhante forma de apropriação poderá ser feita pelos brasileiros com o twitter... só que em vez das comunidades, os posts se transformarão nas ferramentas de identidade, já que a maioria os usam para informar o que fazem... isto é, o histórico de suas atividades cotidianas é que provavelmente será o elemento responsável para ser aceito ou não por outros usuários, pelo menos, por hora ainda não é assim, e mais... se tivermos um "boom" da rede, quem não estiver lá ou quem estiver e não postar frequetemente, estará atestando que não tem uma vida tão interessante ou algo parecido... acredito ainda que o twitter venha apresentar a possibilidade de se formar comunidades...

Natália Vaz (março 26, 2009 8:46 AM) disse:

Olá, Raquel. Sou estudante de Comunicação Social na Universidade Federal do Piauí e estou começando a elaborar meu projeto de TCC para executá-lo no próximo semestre. Vim falar com você porque pretendo estudar o twitter como nova ferramenta para o jornalismo e vi sua entrevista na Revista Época. Eu sigo você no Twitter e queria saber se você pode me passar seu e-mail porque eu tenho algumas dúvidas sobre tudo. Você pode me ajudar?

Abraços.

Natália Vaz

frytec.com (março 26, 2009 10:51 AM) disse:

Realmente, o brasileiro é um povo que vive de aparências, até virtualmente. Não é atoa que o resto do mundo nos chamam de PRAGA DA INTERNET.
Lamentável...

Jacqueline (março 26, 2009 2:56 PM) disse:

Seus artigos são muito bons!

ale (março 27, 2009 1:35 AM) disse:

Ni!

Acho engraçado como muita gente pulou no bonde da privacidade quando o orkut implantou a possibilidade de bloquear conteúdo...

Parece que as mesmas pessoas que hoje bloqueiam conteúdo, não houvesse essa a possibilidade, optariam por colocar o mesmo conteúdo ali pra todo mundo ver.

Indicaria que na nossa cultura a possibilidade de compartilhar supera o medo de se expôr; em algum sentido, que damos mais valor à comunicação que à privacidade.

Curioso... será algo universal ou particular do brasileiro?

Pena que, se não me engano, o facebook sempre teve a opção de bloquear conteúdo, então... por aí vamos ficar sem saber.

Mas mais curioso ainda é como a alteração de um software pode acabar revelando algo sobre a sociedade.

O Lawrence Lessig não poderia ter acertado mais quando disse que o código faz papel de lei. Que meda desses softwares web sobre os quais não temos o menor controle!

:)P

~~

raquel (março 29, 2009 10:21 AM) disse:

Oi Ale! :D
Acho que é uma descoberta recente, essa da privacidade e que também é conseqüência do próprio "terrorismo midiático" com relação à Internet. Acho que é meio particular, em outros países eu vi uma preocupação muito maior para com a privacidade do que no Brasil. Ou talvez só estejamos "um pouco atrás" dos demais, porque é uma preocupação que se inicia agora aqui, mas já esteja presente há mais tempo em outras culturas. :D

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